quarta-feira, 27 de junho de 2018

Reflexões depois da Matéria: Didática



Luiz Ferracini apresenta uma tipologia dos tipos de professor e ensino (Ferracini 1990):

1) O desanimado (não chega a ser relapso, mas falta-lhe o brilho do entusiasmo pelo que faz); 2) o saudosista (desempenha a contento suas tarefas, mas para ele escola boa era a de antigamente, hoje haveria apenas ensino do “faz de conta”); 3) o critiqueiro (antenado em leis e portarias sobre educação, só enxerga o lado negativo da realidade); 4) o alienado (meio camaleônico, está de bem com todos, não toma partido; para ele educar é fazer a vontade dos alunos); 5) o policial-terrorista (sempre do lado da direção, é disciplinado ao extremo, exige que os alunos decorem conteúdos, espalhando medo, ameaçando com notas baixas ou com provas que não buscam avaliar aprendizado); 6) celetista (dá aula em diversas IES, não tem interesse pelos problemas da escola e do aluno; como não cria raízes na instituição, também não deixa saudades por onde passa; ensina mas não educa); 7) bico (é um dos tantos que atuam em diversas frentes e empregos: para uns trata-se de necessidade e para outros lecionar é questão de prestígio e projeção); 8) ideologizador (faz discursos e pregação; não perde uma oportunidade de mostrar sua visão do mundo e da política: ou é engajado em movimentos sociais, se definindo de esquerda, ou adota postura oposta, de cunho moralista); 9) autoritário (dominador, entende que cabe só a ele tomar decisões. “Por lei, em sala de aula, gozo de autonomia, aqui quem manda sou eu”).

Carlos Costa, Jornalista e professor na Faculdade Cásper Líbero. Licenciado em Filosofia e bacharel em Jornalismo, é mestre e doutor em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicação e Artes da USP, 10) acrescenta um décimo tipo, que seria o do professor “expressor, expressão utilizada pelo pesquisador e semiótico uruguaio Fernando Andacht em seu estudo sobre os personagens do Big Brother Brasil e de sua versão argentina, El Gran Hermano (Andacht, 2003: 84 e segs.). Expressor é aquele professor que dá aulas-magnas, fala o tempo todo, um discurso que encanta os alunos, mas que não permite interrupções, perguntas ou dúvidas, ele é o show. Ao final do curso, os alunos (que adoravam suas aulas e shows) se dão conta de que não há assunto para avaliação, de que nada aprenderam... 

Para Paulo Freire, o professor é uma fonte de opões para satisfação dos interesses do aluno, dentro dos limites de sua formação. Ou seja, Freire não entende o professor como um “facilitador”, mas como uma opção para o aluno interessado. Pode ser um provocador, não um facilitador.

Burke, ensina que o aprendizado só pode ser realizado pelo próprio sujeito que aprende, e isso tem uma implicação profunda em toda a metodologia de ensino. É o aluno que deve pôr em ação seus mecanismos ou esquemas de assimilação, seu jeito de aprender. Ele pode receber do professor os estímulos e informações, mas nada garante que os assimilará. Agora, sem dúvida aprenderá se tiver de pesquisar, procurar, trabalhar esses dados e informações. Aí está a diferença entre ensinar e aprender. Ensinar, no caso, deixa de ser entendido como uma transmissão/recepção de informações e conhecimentos já prontos, e passa a ser uma forma de detonar um processo ativo e assimilador que, ao pôr em marcha os esquemas e estruturas que o aluno dispõe, mobiliza conhecimentos e origina novas experiências (Burke, 2003: 46).

A “emoção e o sofrimento” (pathos), de onde emerge o saber, pertencem tanto ao professor (que deve colocar-se também como aquele que não sabe) quanto ao aluno: os pensadores da educação referem-se freqüentemente ao duplo significado da palavra grega manthano: ensinar e aprender ao mesmo tempo. Professor é aquele que aprende duas vezes. O bom professor, dizia Heidegger, está mais avançado que seus alunos somente naquilo que tem mais a aprender do que eles, ou seja, no fazer aprender. Mas o lugar e a presença do professor como agente motivador, iniciático, continua imprescindível (Sodré, 2002: 99).

Como ensinava Piaget, no processo de descoberta ativa por parte do aluno, o professor continuará a ser um animador indispensável. Ele criará situações e armará os dispositivos iniciais para despertar na classe o interesse pela pesquisa dos tópicos apresentados e dirimir dúvidas. A ele caberá, também, sistematizar as conclusões dos aprendizes, levando à reflexão que obrigue o controle das soluções demasiado apressadas. O que se deseja é que o professor deixe de ser apenas um “conferencista” e que estimule a pesquisa e o esforço, em vez de se contentar em transmitir soluções já prontas.

O mestre deve deixar de ser aquele que “ensina” (que dá a aula, que fala, que mostra, que demonstra, que prende a atenção, que dá o show, que cobra...) para se tornar aquele que ajuda outra pessoa a aprender com ela. [...] Em resumo, ensinar deve passar a ser uma permanente tentativa de respeitar e estimular o processo natural de construção do conhecimento daqueles que são os únicos e verdadeiros agentes dessa construção: os aprendizes (2003: 87, itálicos do próprio autor).

Procure entender o papel e a dimensão de sua disciplina na grade curricular do curso

Ela é disciplina-chave, optativa, pré-requisito para disciplinas que serão estudadas nos anos seguintes? Em que pontos sua disciplina dialoga com outras ministradas para a mesma turma, nessa mesma série escolar? 

É possível planejar, com os professores de outras disciplinas, alguma atividade em conjunto? É importante ter essa visão panorâmica. E é muito mais criativo para os alunos perceberem que os próprios professores trabalham em parceria. Como já foi dito, o aprendizado transcende as quatro paredes da sala de aula e os alunos jamais se esquecem de atividades concretas, realizadas em outra “locação.

Pense na sua disciplina paralelamente ao sistema de avaliação do curso: se é uma disciplina anual, decomponha o conteúdo em quatro bimestres; se é semestral, em dois. 

A formatação do curso em blocos facilita a preparação e a seqüência de atividades, discussões e pesquisas que serão programadas com parte do processo de construção do conhecimento. Ao criar a programação, dividia os conteúdos a serem estudados e pesquisados em conjunto em quatro bimestres, por exemplo, como quatro grandes capítulos, seriados pelos encontros semanais. Os alunos recebem já na primeira aula o programa completo, escolhem temas de aprofundamento e pesquisa, compõem grupos de estudo, e começam a preparar as leituras, visitas, apresentações que farão ao longo dos bimestres. Além disso, programe para cada bimestre leituras ou fichamento de livros. 

Discuta com os grupos, faça círculos, programe com outros professores da mesma série saídas do ambiente fechado da escola, com apresentação de relatórios que sirvam como avaliação de aprendizado de ambas disciplinas.

Distribuídos os conteúdos da disciplina pelos dois ou quatro bimestres, é hora de montar o programa de todos os encontros semanais (em média, cada bimestre oscila entre 8 e 9 encontros-aula). 

Destaque os temas, conteúdos ou partes da matéria que serão abordados em cada encontro. Pode ser uma frase em quatro ou cinco linhas, que resuma o que será o projeto de discussão e estudo com os alunos. Esse roteiro é como um mapa ou bússola. Ao longo do ano, em uma semana de muito atropelo e compromissos, ao preparar a aula da semana seguinte, bastará passar a vista no programa e se sentirá “ubicado”, ou seja, vai saber o lugar onde está parado, que tema foi desenvolvido na semana anterior, qual é o passo seguinte, que material visual usará (prefira curtas-metragens de 5 a 7 minutos; projetar um filme de 130 minutos é contraproducente, não suscitará nem haverá tempo para discussões e troca de impressões. Certamente muito aluno terá dormido em aula). Com o tempo, altere e enriqueça esse programa.

Após decompor o programa da disciplina, armando os conteúdos dos encontros semanais, pense na bibliografia nas indicações específicas de leitura de cada grande bloco

Que livros são mais indicados para que o seu aluno leia ao longo do curso? Há algum filme em que esse tema seja discutido? Algum programa de televisão abordou essa problemática? Há algum artigo de revista que possa ser utilizado, seja publicação acadêmica ou revistas de divulgação ou as de “informação semanal”? Há algum texto de cadernos culturais que valha a pena colocar à disposição dos alunos no site da escola ou em sua homepage? Pergunte aos alunos o que eles já leram sobre um determinado tema. Crie junto com eles recursos educacionais colaborativos (Santana, 2012). Tudo isso é pensar a bibliografia.

Discuta e compartilhe com os alunos a proposta da disciplina: esse parece ser um dos grandes pulos-do-gato, de acordo com os ensinamentos de Masetto (1992) e Santana (2012). Não é preciso ter pressa em “começar” as aulas, o importante é iniciar depois de ter o projeto condensado e discutido com os alunos. Eles sentirão que o curso foi também decidido e planejado por eles.

Do mesmo modo que você, professor, precisou estudar e entender o alcance e o lugar de sua disciplina na grade do curso, explique aos alunos a proposta de sua disciplina e em que pontos ela dialoga ou é pré-requisito para cursos posteriores

Discuta com os discentes a importância de estudar, por exemplo, Métodos e Técnicas de Pesquisa ou Realidade Econômica e Social Brasileira, como pré-requisitos para no final do curso realizar o projeto experimental ou TCC (trabalho de conclusão de curso).

A avaliação deve ser entendida como ferramenta para eventuais correções de rota, além de um feedback contínuo ao longo do curso, com comentários do professor nas conversas com os discentes, nas apresentações de seminários. O professor Masetto ensina que esse feedback deve sempre ser traduzido por um comentário e não simplesmente por número. Ao devolver um trabalho ou uma prova, dê-se ao trabalho de escrever algumas linhas de observação e orientação. Nada frustra mais um aluno do que receber um longo trabalho apenas com um conceito ou nota, nenhuma marca ao longo das páginas dando certeza de que alguém leu o resultado de sua pesquisa. Lembre-se, o processo de avaliação deve ser conduzido sem tensão, sem o clima de terror de “provas finais”, mas apenas como etapa do processo, uma oportunidade a mais de aprendizagem (Masetto, 1992: 24), tanto para o aluno como para o professor (que terá na prova ou na arguição um retorno da qualidade de seu programa como incentivador da construção de conhecimento por parte dos alunos). 


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Lembre-se: O ato de ensinar está na vontade de apender!

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